Desafios

DESIGUALDADE SOCIOECONÔMICA E DISTANCIAMENTO NA APRENDIZAGEM
Os obstáculos impostos pela pandemia na educação infantil podem prejudicar o futuro dos alunos
E
ncaminhar-se para a escola pela primeira vez é sair de um ambiente rotineiro e seguro, deparar-se com o mundo desconhecido e descobrir sua forma de funcionamento. A criança se ausenta do
ambiente domiciliar, dos rostos familiares, do cuidado atento da babá ou do responsável para ocupar um ambiente completamente novo, com diretrizes próprias e indivíduos que até antes ela desconhecia.
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Esse marco na socialização dos pequenos simboliza uma das primeiras conquistas de liberdade e independência. Nesta transição, a responsabilidade que, antes era somente dos pais e responsáveis, agora se divide com a escola e com os educadores.
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O Brasil é um dos países com maior contraste de desigualdade de aprendizagem entre os alunos apontados como ricos e pobres, segundo a metodologia da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os estudantes brasileiros de nível socioeconômico alto obtiveram média em Leitura de 492,2, enquanto aqueles que estão entre os 33% de nível socioeconômico mais baixo, 389,6.
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Analisando todos os 80 países participantes do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) 2018, a dessemelhança brasileira é a quinta maior em matemática, e a terceira maior em leitura e em ciências de acordo com o relatório da Diretoria de Avaliação da Educação Básica (DAEB).
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As dificuldades socioeconômicas associadas, especialmente, à discrepância de oportunidades de aprendizagem e de acesso ao ambiente escolar são os principais obstáculos encontrados na atual educação brasileira. A pandemia salientou esses desafios e infundiu problemas ainda mais urgentes. As adversidades impostas aos pais, alunos e professores durante a quarentena são incalculáveis.
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O início dessa nova realidade foi de difícil compreensão, tanto para pais quanto para filhos. “A Gabriela, por conta da idade, já andava ligada no que estava acontecendo, todo mundo comentava de alguma forma.” relata Dennis Shimizu, servidor público, pai de Gabriela Shimizu, 8, e Felipe Shimizu, 5. (Confira a entrevista completa).
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A pandemia pode fazer com que dois em cada três alunos não sejam capazes de ler ou entender textos adequados para a sua idade."
Levantamento Banco Mundial
O pai explica que, quando a família entrou em isolamento social e as aulas foram suspensas, os filhos já tinham conhecimento sobre a pandemia. “Não deu para ter muita essa noção. Pensamos ‘e agora, o que que vai acontecer?’”. Ele também conta que, apesar disso, eles não praticavam os protocolos de higiene. "No início, foi o isolamento em casa. Como não saímos e não tínhamos contato com outras pessoas, eles ficavam em casa e nem usavam máscara. Esses protocolos de higiene não impactaram no nosso dia a dia”, completa.
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O levantamento ‘Agir agora para proteger o capital humano de nossas crianças: Os custos e a Resposta ao Impacto da pandemia da COVID- no Setor de Educação na América Latina e no Caribe’, do Banco Mundial, publicado em março de 2021, aponta que a pandemia pode fazer com que dois em cada três alunos não sejam capazes de ler ou entender textos adequados para a sua idade.
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O estudo ainda revela que a pobreza da aprendizagem pode crescer em mais de 20%, o que equivale a um aumento de cerca de 7,6 milhões de pobres de aprendizagem. A parcela mais atingida é a de renda mais baixa, com acessos limitados a aparelhos digitais que permitem assistir aulas em formatos mais complexos do que atividades no WhatsApp ou materiais impressos.
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Em pesquisa realizada com 67 famílias de alunos em idade de alfabetização e Fundamental I, por meio de formulário online, os dados apurados informam que 31,8% dos pais com filhos matriculados em escolas públicas consideram regular o ensino durante a pandemia, enquanto pais com filhos matriculados em escolas particulares somam 39,1% na mesma categoria.
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Entrevista com Dennis Shimizu, pai da Gabriela, 8 anos e do Felipe, 5 anos. Eles moram na cidade de São Paulo.
Responsabilidade na educação remota é, em sua maioria, atribuída à mulher
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Segundo a pesquisa ‘Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia’, realizada pela Gênero e Número, e a Sempreviva Organização Feminista, 41% das mulheres que permaneceram empregadas na pandemia com manutenção de salários afirmaram trabalhar mais durante a quarentena.
Dennis conta que ele e a esposa, Daniela Mayumi, decidiram que era ele quem iria ficar responsável pela educação dos filhos no período da pandemia. “Minha esposa trabalhava fora a maior parte do dia e eu conseguiria ficar em home office, então fizemos esse combinado.” Ao ser questionado por ser o único pai responsável pela educação dos filhos entrevistados na pesquisa, ele diz que é um este ocorrido é exemplo claro de machismo. “Essa ideia de que só mãe tem que ser responsável por cuidar dos filhos continua.”
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Cerca de 64,2% das respostas recebidas na pesquisa, apontam que a responsabilidade da educação dos filhos é exclusiva da mãe. Uma das respostas em que a mãe foi apontada como principal pessoa a ajudar o filho durante as aulas remotas, descreveu quanto a maior dificuldade enfrentada por ela e pelo filho foi “para o meu filho se concentrar nas aulas em casa e para mim foi parar meu trabalho para cuidar disso”, aponta.
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Adaptação no ambiente digital e retorno ao presencial
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Dennis ainda relata que, no primeiro semestre deste ano, a escola da sua filha Gabriela fez pequenas alterações conforme feedbacks dos pais e responsáveis dos alunos matriculados. “Fomos falando quais eram as dificuldade e eles foram procurando entender essa questão de ser 1h e depois eles chegaram e estender esse período de aula. Ficava bem puxado, no segundo semestre de 2020 as aulas online chegavam a ter 4 horas. Era 100% online. No início desse ano, começou a ter um rodízio. Eles foram divididos em dois, uma parte ia presencialmente e outra parte assistia remoto em casa”.
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Mesmo com as melhorias pós retornos dos pais à escola, Dennis notou que, enquanto a filha estava virtualmente online na mesma aula que outros colegas de classe estavam presencialmente, ela perdeu experiências.
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O servidor se lembrou de um momento específico onde sentiu que a filha foi prejudicada pela aula remota, “a professora propôs uma atividade que os alunos que estavam na escola tinham que observar uma formiga no jardim da escola. Só que não temos um jardim dentro do apartamento. Tivemos que nos adaptar”.
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O pai conta que a experiência com seu filho mais novo, Felipe, foi diferente. “Existiu um período em que estudou 100% online. Era só ele e mais outra coleguinha que estudavam no remoto. No primeiro semestre de 2021, ele já começou a ter aulas diárias presenciais e depois foi liberado para ir todos os dias, eliminando totalmente o ensino remoto”, diz.
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Em 30 de junho de 2021, o Ministério da Educação (MEC) criou o Sistema Online de Recursos para a Alfabetização, nomeado e conhecido como Sora, e a Formação Prática para Gestores Educacionais da Alfabetização.
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Com objetivo de auxiliar professores e funcionários do saber na programação e efetivação de atividades de ensino para alunos que estão aprendendo a ler e escrever, o Sora deve proporcionar aos professores uma ferramenta tecnológica para elaboração de planos de aula. Enquanto, a Formação Prática para Gestores Educacionais da Alfabetização é direcionado a diretores, vice-diretores e coordenadores pedagógicos.
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Para os pais e mães que responderam à pesquisa manter seus filhos atentos durante as atividades remotas é o maior desafio. Em uma das respostas, que eram dadas de forma anônima, o responsável descreveu que “a maior dificuldade foi manter a atenção da criança, já que há muitos estímulos que o distraem dentro de casa”.
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Por conta das demandas de trabalho, alguns pais também tiveram dificuldade em conduzir as crianças durante os estudos. Apenas 16,4% dos respondentes trabalharam apenas remotamente, enquanto 10,4% perderam o emprego.
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Cada estado é responsável pelas regras estabelecidas nas redes de ensino de seu perímetro. Conforme publicado na Agência Brasil em agosto deste ano, “as escolas estaduais, municipais e particulares do estado de São Paulo foram autorizadas a retornar às aulas presenciais, podendo atender até 100% dos estudantes”, desde que sigam as normas de higiene e segurança.
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As medidas tomadas pelas escolas não impedem que os presentes não contraiam o vírus. Dennis conta que logo que as aulas retornaram para o presencial, a escola informou que duas funcionárias estavam suspensas da atividade presenciais. “Essas duas funcionárias testaram positivo e retornaram às atividades remotas. Depois, a própria professora da Gabi apresentou alguns sintomas. Ela se ausentou do presencial e minha filha teve que retornar para as aulas remotas. A professora foi testada e depois de confirmar a ausência da doença, as aulas foram retomadas normalmente”.
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Perdas de aprendizagem durante a pandemia são irreversíveis
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Em estudo publicado em junho de 2021 pelo Instituto Unibanco e Insper, intitulado ‘Perda de aprendizagem na pandemia’, foi analisado que “o impacto da pandemia sobre os alunos que devem concluir o Ensino Médio em 2021 é grande. Os estudantes que concluíram a 2ª série do Ensino Médio em 2020 possivelmente iniciaram a 3ª série com uma proficiência em Matemática 10 pontos abaixo do que iriam alcançar caso não tivessem tido a necessidade de transitar do ensino presencial para o remoto devido à pandemia. Em Língua Portuguesa, a perda estimada é de 9 pontos.”, consta no material.
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No Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) 2019, a taxa de analfabetismo de pessoas com mais de 15 anos de idade foi estimada em 6,6% (11 milhões de analfabetos). De acordo com o Plano Nacional de Educação (PNE), na Lei 13.005/2014 é estabelecido medidas que visam melhorar a educação no país e liquidar a taxa de analfabetos até 2024.
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Na pesquisa realizado pelo Datafolha, para a Fundação Lemann, o Itaú Social e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), divulgado em junho de 2021, é apontado que 88% dos estudantes matriculados no 1°, 2° e 3° ano do Ensino Fundamental estão em fase de alfabetização. O resultado demonstra que mais da metade (51%) das crianças ficou no mesmo estágio de aprendizado. 29% não aprendeu nada de novo e 22% desaprendeu o que já sabia, segundo o relato dos responsáveis.
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