Pais

O IMPACTO DA PANDEMIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Como pais e escolas têm se adaptado ao ensino remoto durante os anos iniciais do Ensino Fundamental
om a propagação do vírus Sars-CoV-2, causador da Covid-19, vindo da cidade de Wuhan, na China, todo o mundo precisou se adaptar diante de situações antes tidas como cotidianas,
C
incluindo então, a maneira de frequentar a escola.
​
Em 2020, o ano letivo iniciou normalmente. O primeiro caso confirmado da doença no Brasil foi relatado oficialmente apenas em 26 de fevereiro, na cidade de São Paulo. Nesse momento ainda não havia um plano nacional de contingência, nem de isolamento, e as aulas permaneciam sendo ministradas de forma presencial.
​
“No dia em que seria o último de aula presencial, ela nem foi. Tínhamos viajado e quando voltamos houve o baque: não tem aula”, relata Letícia Oliveira (confira a entrevista em vídeo), mãe da Maria Cecília de 7 anos. A criança é estudante em uma escola pública localizada na cidade Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais e cursa o 2º ano do Ensino Fundamental I.
​
Ainda em março, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) divulgou em nota que, até o momento, não havia fundamento científico que justificasse o impedimento dos alunos com parentes com suspeita de infecção ou que tivessem viajado a países com registros de coronavírus de frequentar a escola.
“Escolas de vários estados brasileiros estão proibindo a entrada de alunos, orientando quarentena [...]. O posicionamento da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) é de que não há suporte técnico para essa medida até o presente momento. O Ministério da Saúde do Brasil também não faz esta recomendação. Além disso, não há legislação sanitária que ampare tal orientação”, diz um trecho da nota.
​
Letícia diz que após o aviso ter sido oficializado via página do Facebook da escola, ela conversou com a filha sobre a pandemia. "Ela perguntou o porquê não teria aula, mas ao mesmo tempo a gente já estava acompanhando notícias sobre isso”, aponta. “No começo ela ficou feliz que não teria aula, achou uma maravilha. Depois de uns 15 dias ela perguntou, ‘mãe, eu não vou voltar para escola, não?’, foi então que disse a ela que achava que não voltaria tão cedo”.
​
Aos poucos, cada estado brasileiro tomou atitudes para contenção da Covid e estabeleceu isolamento social baseado na Portaria n° 356, de 11 de março de 2020, do Ministério da Saúde. Essa medida determinou parâmetros gerais para o combate da pandemia no país.
​
​
A quarentena e o início das aulas remotas
​
“Achamos que seria breve como no período do Ebola”, conta Jordana Minozo (confira a conversa em vídeo), professora de um método de ensino internacional, mãe da Valentina de 6 anos, matriculada no 1° ano do Ensino Fundamental I em escola pública na cidade Santiago, no Rio Grande do Sul. “Quando começou a fechar tudo foi em 17 de março, eu tive que parar tudo na escola que dou aula e também fechou a escola da Valentina. Achamos que seria um período curto, estávamos angustiados, com medo. Pensamos que seriam no máximo 50 dias”.
​
​
Eu achava que as aulas não eram agradáveis e com isso optei por não dar aula online. Minha filha fez praticamente tudo no papel mesmo."

Jordana Minozo
Foi então, em 28 de abril de 2020, que o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou diretrizes para orientação de escolas da educação básica e de ensino superior durante a pandemia. O parecer foi elaborado com a colaboração do Ministério da Educação (MEC) com objetivo de estabelecer medidas para orientar cidades, Estados e escolas e propor normas nacionais quanto à Educação nesse período.
​
O CNE autorizou também que os sistemas de ensino validassem atividades não presenciais, recorrendo a meios digitais, videoaulas gravadas, materiais impressos, entre outros, para cumprimento de carga horária.
Jordana comenta que, após analisar as possibilidades, a escola da filha logo iniciou com atividades impressas. “A Secretaria da Educação daqui fez uma espécie de ônibus com wi-fi e impressão para os pais que precisassem. Depois começou com aulas remotas uma vez na semana pelo aplicativo”, disse. Ela ainda relata a eficácia das aulas nesse modelo, “eu achava que as aulas não eram agradáveis e com isso optei por não dar aula online. Ela fez praticamente tudo no papel mesmo”.
​
Durante as aulas remotas, as diferenças socioeconômicas foram evidenciadas. Tanto quanto à infraestrutura do ambiente quanto a disponibilidade de um adulto que ajude a criança na execução das tarefas, são fatores que nem todas as famílias conseguem cumprir.
​
Jordana afirma que adapta as propostas enviadas pela escola e aplica atividades práticas para fixar o conteúdo com a filha. “Em vídeo a criança não entende muito, então vamos para a parte prática. Isso porque eu já tenho esse conhecimento de professora, não sei como os pais que não são dessa área estão dando conta”.
​
Ainda assim ela percebe que por não estar no ambiente escolar há uma diferença na absorção das informações. “É muito diferente com a professora em um espaço lúdico, colegas e a possibilidade de fazer perguntas. A mãe é mãe. Mãe não é professora. Eu sinto demora em compreender”, completa.
​
​
Entrevista com Jordana Minozo, mãe da Valentina de 6 anos, da cidade de Santiago no Rio Grande do Sul.
Atividades não presenciais foram as mais utilizadas por instituições de ensino
O acesso à internet e a habilidade em trabalhar por meio dos aparelhos eletrônicos foram grandes desafios para as escolas e famílias durante o ano de 2020. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Covid (Pnad Covid-19), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em julho de 2020, mostram que alunos de famílias com renda domiciliar per capita menor tiveram menos acesso às aulas, ainda que remotamente.
​
Letícia, de Conselheiro Lafaiete, define o período como confuso. “A escola demorou muito a ter uma posição. Tudo era assim 'as crianças vão ficar alguns dias em casa'. Demorou até minha filha voltar a estudar. Foram dois, quase três meses para começar a ter um conteúdo para mandar”, destaca.
​
Em pesquisa realizada pela União dos Dirigentes Municipais de Educação SP (Undime), com apoio do Itaú Social e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), realizada com 3.672 municípios, são apontados dados de como foi o ano letivo em 2020.
​
Cerca de 70% das redes concluíram o ano letivo até dezembro, sendo que em 91,9% das redes as atividades foram aplicadas de forma apenas não presencial. As formas mais utilizadas foram atividades impressas (95,3%) e aulas ministradas via WhatsApp (92,9%).
​
​

Fonte: União dos Dirigentes Municipais de Educação SP (Undime)
No Estado de Minas Gerais foi disponibilizado o Plano de Estudo Tutorado (PET), desenvolvido pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais. “É como se fosse um caderno de questões com a matéria feita pelo governo, ‘é um ‘geralzão’. As vezes é uma coisa que a criança nem estudaria na escola”, descreve Letícia.
​
Ela ainda diz que a escola foi fechada em março de 2020 e o material entregue apenas em junho. "A escola demorou 3 meses para começar entregar, então, se quisesse a impressão, eu mesma teria que imprimir. Eu cheguei a pagar R$20,00 para isso”, afirma. Ela completa que as atividades propostas eram enviadas no grupo de WhatsApp da sala e que a professora ficava disponível para auxiliar as crianças no período da tarde.
​
Sem experiências anteriores com alfabetização de crianças, Letícia explica que tem dificuldades em ministrar os conteúdos para Maria Cecília. Ela precisa da ajuda da cunhada para cuidar da filha caçula e assim conseguir auxiliar a filha mais velha no momento da aula.
​
“Eu acho que ela até deu uma evoluída, só que eu não sou professora. Eu não tenho paciência. Eu não estudei para isso, então eu não sei como ensinar uma criança a ler. O que eu vou usar para ensinar a ela? Era para ela estar lendo, mas ela ainda não está”, desabafa.
​
​
Entrevista com Leticia Oliveira, mãe da Maria Cecilia de 7 anos, da cidade de Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais.
Adaptação ao ensino a distância
​
Por outro lado, as escolas particulares encontraram outras maneiras de se adequar ao ensino remoto. Em pesquisa com escolas privadas de 74 municípios do estado de São Paulo sobre ensino remoto na Educação Básica realizada pela Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) e o Instituto Casagrande em 2020, foi apontado que as instituições já utilizavam aplicativos de comunicação com os pais e mantiveram o uso dessas ferramentas durante a pandemia.
​
“Logo que foi decretado o isolamento na escola, eles avisaram via aplicativo e e-mail que iriam fechar e que iriam disponibilizar atividades em uma plataforma. No começo foi algo mais leve, com menos cobrança. Depois avisaram que teria aula ao vivo, com contagem de presença e que seria obrigatório”, relata Taciane Saliture (por meio do link você pode conferir essa conversa), médica otorrinolaringologista, mãe da Catarina de 8 anos, que estuda o 4° ano do Ensino Fundamental I, em um colégio particular de São Paulo.
​
Taciane conta que a escola optou por manter o currículo e avançar a matéria. Por meio da plataforma Google Meets e dos livros didáticos, Catarina precisava ver aulas das 13h15 às 18h. “Eu conversei algumas vezes com a escola a respeito da quantidade de horas das aulas, eu achava muita exposição, muito tempo sentada e muito tempo de tela. No início cansava e ela pedia intervalo maior. Não foi prazeroso”, destaca.
​
​

Eu não sou professora. Eu não estudei para isso. Eu não sei como ensinar uma criança a ler."
Leticia Oliveira
Para ela, o problema é a grande demanda que enfrenta no trabalho e as demais tarefas que foram atribuídas para dentro de casa. ”Ser médica em uma pandemia, cuidar da casa, maternar e ainda participar das aulas. Então a que eu resolvi me cobrar menos foi a de papel de professora, decidi que esse papel eu não iria assumir”, diz. “Eu estou cuidando da saúde mental, e do afeto”, conclui.
​
Em 8 de outubro de 2020 foi autorizada a retomada das aulas no Estado de São Paulo pelo governador João Doria e o secretário da Educação Rossieli Soares. O decreto autorizou que a partir desta data, as prefeituras permitissem a reabertura de escolas públicas e privadas.
​
“A Catarina ficou realizada, felicíssima. Eles fizeram rodízio e dividiram a turma em três. Ela não viu todos os amigos, mas foi incrível voltar a ver a professora e alguns dos amigos”, relembra emocionada sobre o período de um mês e meio em que sua filha retomou as aulas presenciais por conta do decreto estadual.
​
​
Entrevista com Taciane Saliture, mãe da Catarina de 7 anos, da cidade de São Paulo.
O retorno à escola e as medidas para 2021
Em outubro de 2020 o ministro da Educação, Milton Ribeiro, homologou o Parecer nº 19 do CNE, que estende até 31 de dezembro de 2021 a permissão para atividades remotas no ensino básico e superior no país.
​
Ainda de acordo com o parecer, tanto os sistemas de ensino público quanto privado têm autonomia para definir a reorganização dos calendários e o planejamento curricular ao longo de 2021, desde que assegurem formas de aprendizagem pelos estudantes e o registro detalhado das atividades não presenciais.
​
Em Santiago, o ano letivo de 2021 iniciou de forma híbrida, porém com o aumento no número de casos de Covid, as aulas voltaram a ser apenas remotas. “No início do ano voltou de forma híbrida, a sala foi dividida em três grupos e cada um ia em uma semana. A Valentina foi um dia na aula e a bandeira aqui ficou preta (indicando risco altíssimo de contágio) e a aula voltou a ser totalmente remota, foi bem triste. Até agora ela foi apenas um dia para aula. Foi o primeiro e último dia”, conta Jordana.
​
Segundo um levantamento do portal G1, as capitais brasileiras adotaram sistemas distintos para o retorno das aulas no segundo semestre de 2021. Sendo eles: 2º semestre híbrido após 1º semestre remoto; 2º semestre híbrido, como no 1º semestre; 100% remoto; 100% presencial e três das capitais sem uma definição do plano de aulas semestral.
​
​

Fonte: Portal G1